"Procuro dizer o que sinto sem pensar em que o sinto.
Procuro encostar as palavras à ideia e não precisar
dum corredor dos pensamentos para as palavras.
Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir.
O pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado.
Porque lhe pesa o fato de que os homens o fizeram usar.
Procuro despir-me do que aprendi,
procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos.
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
desembrulhar-me e ser eu,
um animal humano que a natureza produziu.
E assim escrevo, ora bem, ora mal,
ora acertando com o que quero dizer, ora errando.
Caindo aqui, levantando-me acolá,
mas indo sempre no meu caminho como um cego teimoso".
Fernando Pessoa
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