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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

LUA ADVERSA


Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...

Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...
Cecília Meireles

domingo, 26 de agosto de 2012

Perdi os Meus Fantásticos Castelos


Como névoa distante que se esfuma...
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
Quebrei as minhas lanças uma a uma!

Perdi minhas galeras entre os gelos
Que se afundaram sobre um mar de bruma...
- Tantos escolhos! Quem podia vê-los? –
Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!

Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, o meu corcel,
Perdi meu elmo de ouro e pedrarias...

Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
Sobre o meu coração pesam montanhas...
Olho assombrada as minhas mãos vazias...

 Florbela Espanca, "A Mensageira das Violetas"

 imagem: art by sascalia

"Universo particular"

                                                             imagem: wallcoo echi

"O meu mundo não é como o dos outros; quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que se não sente bem onde está, que tem saudades... sei lá de quê!"

[Florbela Espanca]




sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Despertar...

" Minha vida mudou muito nos últimos anos. Eu mudei muito nos últimos anos. Mudei sem oferecer a menor resistência. Mudei sem me surpreender com as mudanças. Elas simplesmente apareceram, aconteceram, me invadiram e se instalaram. Então, eu
finalmente me senti em casa dentro de mim mesma. E hoje, mais do que nunca, sinto que não devo nada para ninguém. A gente demora demais para se livrar de pesos e culpas. Mas um dia, finalmente, a gente acorda. E descobre que tem uma vida inteirinha pela frente. "


Clarissa Corrêa

sábado, 11 de agosto de 2012

Esqueci a tal exatidão...

"Esqueci a tal exatidão. Dar nome aos bois, colocar os pingos nos "is", bater de frente. Tirei férias disso tudo. Se algum desaforo bater à minha porta, não atendo. Canto ciranda, enfeito minhas tranças, converso com a esperança. Perdi minha mala carregada de ressentimentos na estrada do sossego. Mudei a rota, arranquei as portas que aprisionavam meu sorriso. Me perdi do tempo. Me encontrei em mim."
 








Renata Fagundes

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Que...

"Que o amanhã seja palco para ser o que se busca.
Que leveza seja a promessa do vento.
Que a paz seja o próximo passo.
Que o outro seja sempre um convite.
Que o sorriso seja a chave correta.
Que tua memória guarde apenas doçuras.

Que o real toque os teus olhos com ternura,
e que a tua janela seja grande para o Sol.
Que
tuas escolhas sejam a versão mais bonita de si mesma
e que o teu caminhar seja -sempre- mais macio.
Que
aprendamos a aprender com as tempestades.
Que
os olhos enxerguem todos aqueles pedacinhos de nós que deixamos de ver, seja por comodidade ou distração da Alma.
Pois é tempo de abandonar receios e prisões...
...as nossas antigas desculpas.

Você não precisa carregar aquilo que não mais cabe no peito.
Não mais cabe medir palavras e medos, mas sim saber o tamanho das próprias asas.
E que assim seja o teu destino, abençoado.
Um brinde às possibilidades da próxima página dentro da gente!

Bons dias..."

Guilherme Antunes

Ciclo seco.


“Porque o real do ciclo seco são ações, não pensamentos nem imaginações. Tanto que, visto de fora, não é visível nem identificável. Não se confunde com “depressão”, quando você deixa de fazer o que devia, ou com “euforia”, quando você faz em excesso o que não devia. Em ciclo seco faz-se exatamente o que se deve ou não, desde escovar os dentes de manhã ou beber um uísque à tardinha, mas sem prazer. Nem desprazer: em ciclo seco apenas se age, sem adjetivos. A propósito, ciclo seco não admite adjetivos — seco é apenas a maneira inexata de chamá-lo para que, dando-lhe um nome, didaticamente se possa falar nele. Ciclo seco, por exemplo, não se interessa por nada. Pior que não ter o que dizer, ciclo seco não tem o que ouvir, compreende? Ciclo seco é incapaz de se distrair, de se evadir. Fica voltado para dentro o tempo todo, atento a quê é um mistério, pois que pode um ciclo seco observar de si mesmo além da própria secura, se não há sequer temporais, ventanias, chuvaradas? Nesse sentido, ciclo seco é forte, porque nada vindo de fora o abala, e imutável, porque de dentro nada vem que o modifique.”

Caio F. Abreu

P.S.: “É preciso acreditar que passa, embora quando dentro dele seja difícil e quase impossível acreditar não só nisso, mas em qualquer outra coisa.”

Faxina na alma...


"Um dia desses, peguei meus medos e histórias; minhas culpas e memórias, espalhadas todas no velho chão de minha casa. Um dia, descolei hipocrisias e invejas, raivas e egoísmos, perdas e ocas vitórias, todas presas nos cantos e frestas do meu coração enferrujado. Um dia juntei minhas intrigas e novelas, meus desdéns e desatinos e joguei todos na fogueira que fiz no quintal-de-mim. Um dia, recolhi
minhas vergonhas e receios, crises e aflições, ciúmes e tristezas, todas elas amarrotadas atrás dos meus (in)cômodos antigos. Quebrei minhas correntes como quem desamarra laços de um presente esquecido. Um dia separei joio do trigo, vícios de virtudes e me livrei das traças de emoções baratas a corroer minha sanidade e devorar minhas doçuras. Troquei meus falsos tesouros, gaiolas vazias e velhas crenças por espaços livres entre os suspiros. Arranquei pela raiz minhas mágoas e ressentimentos no jardim de aflições que a contragosto cultivei. Lavei meus sonhos e planos com bastante água e sabão. Passei um pano nas lembranças a me dar gastura e a me prender no passado doído. Doei carapuça que me servia pra brechó do nunca. Esvaziei os porões da consciência de tralhas e traumas, desculpas e truques. Troquei as velhas fechaduras da solidão e abri as janelas para a leveza irradiada. E assim, mudei a folha do calendário do meu ano velho; a decorar quarto de hóspedes para o Amor descansar sereno. Um dia, fiz faxina aqui dentro e tudo ficou mais bonito lá fora."

Guilherme Antunes