Ciclo seco.
“Porque
o real do ciclo seco são ações, não pensamentos nem imaginações. Tanto
que, visto de fora, não é visível nem identificável. Não se confunde com
“depressão”, quando você deixa de fazer o que devia, ou com “euforia”,
quando você faz em excesso o que não devia. Em ciclo seco faz-se
exatamente o que se deve ou não, desde escovar os dentes de manhã ou
beber um uísque à tardinha, mas sem prazer. Nem desprazer: em ciclo seco
apenas se age, sem adjetivos. A propósito, ciclo seco não admite
adjetivos — seco é apenas a maneira inexata de chamá-lo para que,
dando-lhe um nome, didaticamente se possa falar nele. Ciclo seco, por
exemplo, não se interessa por nada. Pior que não ter o que dizer, ciclo
seco não tem o que ouvir, compreende? Ciclo seco é incapaz de se
distrair, de se evadir. Fica voltado para dentro o tempo todo, atento a
quê é um mistério, pois que pode um ciclo seco observar de si mesmo além
da própria secura, se não há sequer temporais, ventanias, chuvaradas?
Nesse sentido, ciclo seco é forte, porque nada vindo de fora o abala, e
imutável, porque de dentro nada vem que o modifique.”
Caio F. Abreu
P.S.: “É preciso acreditar que passa, embora quando dentro dele seja
difícil e quase impossível acreditar não só nisso, mas em qualquer outra
coisa.”
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